quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Grande Mestre Sokaku Takeda

O Pequeno Demônio do Clã Aizu

Sem dúvida o último samurai de sua época, ensinou Daito ryu a Morihei Ueshiba.
Uma longa relação entre mestre e aluno, em que o amor de um pelo outro disputava com o ódio.

A técnica de Morihei Ueshiba do período pré-guerra, como mostram essas fotos, ainda estava muito próxima do Daito ryu de Takeda Sokaku. O mestre Ueshiba em 1936, época em que posou para as sequências de técnicas no dojo de Seiji Noma.
Logo no começo do século 20, o governo japonês lançou um programa de desbravamento e de implantação de habitantes em territórios até então não ocupados, como em Shirataki por exemplo, situada no centro da ilha de Hokkaido e de clima muito rude.
Morihei Ueshiba, que tinha participado da guerra russo-japonesa deflagrada em 1904, estava desmobilizado há alguns anos e vivendo em Tanabe. Sua vida estava angustiante e ele não conseguia encontrar uma "missão" para realizar. Assim, logo que ouviu falar desse projeto, decidiu tornar-se pioneiro.
Em 1910, fez uma viagem de exploração a Shirataki e concluiu que a terra, ainda que virgem, era bastante fértil para fornecer boas colheitas.
Recrutou então homens e mulheres para empreender a aventura com ele. Em 29 de março de 1912, arcando com os custos da expedição - com o dinheiro de seu generoso pai - partiu para Shirataki, à frente de uma cinquentena de casais. Deixou sua mulher em Tanabe, com seu filho de um ano, a qual deveria juntar-se a ele mais tarde.
A vida dos pioneiros era dura. As colheitas dos três primeiros anos foram particularmente magras. Mas sua coragem não enfraqueceu e foi recompensada. Pouco a pouco, as coisas foram se arranjando e o povoamento de Shirataki foi um sucesso. É nessa época de sua vida que Morihei Ueshiba, na força da idade e confiante em sua força e em seus conhecimentos de artes marciais, iria encontrar aquele que ele chamava de pequeno demônio de Tengu.
Estamos em 1915. Takeda Sokaku já era célebre e seus feitos no combate contra os bandidos haviam lhe conquistado as graças da polícia, que não hesitou em chamá-lo para formar seus homens. Ele tinha cinquenta anos nessa época. Pequeno no tamanho mas dotado de uma força física extraordinária, era animado de um espírito guerreiro particularmente forte. Mestre da espada e detentor de uma arte temível, o Daito ryu Aiki jujutsu, era um personagem fora do comum.
Takeda Sokaku nasceu em 10 de Outubro de 1859 em Oike, no município de Fukushima, região conhecida pela valentia de seus samurais. Homens, mulheres ou crianças, todos eram animados de um espírito guerreiro muito vivo: Takeda Sokaku pertencia ao clã dos Aizu. Era o segundo filho de uma família de quatro irmãos.
Takeda,
um altivo samurai
Quando se deu a Restauração Meiji, em 1868, Takeda Sokaku tinha nove anos. Em 1876, quando tinha dezessete anos, os samurais perderam o direito de usar o último símbolo de sua classe de guerreiros, qual seja o porte de suas espadas.
Essa modificação do regime político teve como consequência o fato de que numerosos samurais se encontraram sem emprego, ainda que o Estado lhes desse uma pequena pensão. As antigas formas de combate tornaram-se obsoletas, numerosos sistemas de artes marciais tombaram no esquecimento, enquanto outros transformaram-se em sistemas educativos. O aspecto de auto-defesa foi privilegiado em detrimento da aprendizagem de técnicas mortíferas, que tinha sido até então a prioridade das escolas de artes marciais.
O que se vê então é os dojos levantarem o véu que cobria seus segredos e se abrirem a um público vasto. Os antigos dojos de jujutsu voltam-se para uma atividade mais esportiva. O exemplo mais conhecido é o judo. Paralelamente, também os samurais diversificaram seus interesses e suas atividades. Começaram a ocupar-se do comércio, setor que estava desprezado há centenas de anos. Encontramos ainda hoje sociedades prósperas, criadas por esses novos "homens de negócios".
Sokichi Takeda, pai de Sokaku, era um membro importante de um forte clã. Havia participado e se destacado em numerosas batalhas.Era portanto conhecedor das artes da guerra. Havia estudado a lança da escola Hozoin, o bastão e o Kenjutsu, mas preferia o sumo. Era um lutador de alto nível.
Assim, Sokaku Takeda, por suas origens, foi naturalmente educado dentro da tradição dos antigos valores feudais ... infelizmente em uma época em que o Japão, com a restauração Meiji, vivia justamente sua revolução silenciosa que devia, segundo seu governo, aproximá-lo do Ocidente.
A educação de Sokaku Takeda começou desde a infância pela aprendizagem das armas. Seu pai ensinou-lhe o que sabia: a lança, o bo e o kenjutsu da escola Ono Há Itto ryu, desejando ainda que ele aprendesse a ler e a escrever, porque acreditava que isso iria lhe servir no futuro.
Sokaku, de um temperamento voluntarioso, precoce para sua idade, teimou em recusar-se a ir à escola. Como ele se obstinava a não querer aprender, seu pai resolveu forçá-lo. Ele tinha treze anos. Conseguiu convencer seu pai de sua vontade de estudar como uchi deshi com Kenkichi Sakukibara, que ensinava em Tokyo. Sokichi Takeda era amigo pessoal desse célebre mestre e pôde portanto recomendar-lhe seu filho. Foi assim que, durante três anos, ele estudou no Jikishinkage ryu dojo, o kenjutsu, o bo, a lança, o arco e flecha, o kusarigama (foice e corrente) e a naginata (alabarda).
Aos dezesseis anos, em 1875, Takeda Sokaku havia se tornado um temível combatente. Nesse ano, surprendido em uma emboscada, conseguiu se salvar golpeando as pernas de cinco ou seis de seus agressores. No ano seguinte, foi atacado por três bandidos. Mata um e os outros dois fogem.
Esse tipo de façanha começou a inquietar seu pai. Assim, decide que era melhor que ele se tornasse monge. Envia-o para Chikanori Hishono, o chefe do clã Aizu. Este havia tomado a decisão, depois que os membros de sua família tinham sido dizimados pelas guerras precedentes, de se retirar para o Templo Tsutsukowake, em Fukushima.
Sokaku concorda mas não demora mais que duas semanas para decidir que iria tornar-se Musho Shugyosha, indo de dojo em dojo para aprender com diferentes mestres. Foi assim que chegou a Osaka e estudou espada com outro célebre mestre, Momonoi, amigo de Kenkichi Sakakibara.
Ele viaja e aprende o que lhe interessa. Assim que, ao final de seu périplo, encontra um expert em karate. Decide então ir para Okinawa onde, durante dois anos, treina junto a diferentes mestres. Em 1880, esteve em Kumanoto, onde estudou a lança. Essa era verdadeiramente sua arma de predileção junto com uma espada de grande valor, forjada por um mestre célebre, Kotetsu, e que ele portava às costas ... apesar da proibição editada em 1876 pelo governo, que havia suprimido o privilégio do porte de espadas, reservado aos samurais.
Foi nesse ano que ele se bateu sòzinho contra uma trintena de pedreiros e trabalhadores de terraplenagem. Matou vários e foi preso pela polícia. Após o inquérito, pôde provar que eram bandidos. Foi solto, mas sua preciosa espada foi confiscada.
A partir desse período, pouco se sabe de sua vida durante os dezoito anos que se seguiram.

Sabe-se que ele se casou e sobretudo que se encontrava frequentemente com Chikanori Hishono que, tendo se tornado monge, havia mudado seu nome para Tanomo Saigo. Este era detentor de uma arte secreta de defesa, reservada à elite encarregada da proteção do palácio. Essa arte era o oishiki-uchi.
Tanomo se desesperava por não encontrar alguém a quem transmitir sua arte. Havia ensinado suas técnicas a seu filho adotivo, Shiro Saigo, que a seguir iria desempenhar papel importante nos primeiros dias do Kodokan, quando os judokas de Kano tinham de enfrentar os desafiantes das antigas escolas de jujutsu.
Foi durante essas numerosas visitas a Tanomo Saigo - vamos chamá-lo assim - que ele estudou o oishiki uchi. Julgando sem dúvida que essa arte punha muita ênfase no ritual e no cerimonial, Takeda Sokaku, seguro de sua experiência e de seus conhecimentos em artes marciais, o modifica. Chama seu estilo de Daito ryu aiki jujutsu. Tanomo Saigo o convence a tornar pública sua arte.
Takeda Sokaku levou uma vida errante durante toda sua existência. Sua reputação havia lhe aberto as portas da polícia e esta apelou a ele em diversas vezes para que resolvesse certos assuntos delicados e para que formasse seus homens. Passou um período a ensinar no norte do Japão e se instalou durante certo tempo em Hokkaido. Ensinava em uma sala de um albergue em Engaru, quando em 1915 Morihei Ueshiba teve a sorte de encontrá-lo.
Ueshiba foi seduzido pelo valor técnico desse mestre que dava os cursos na forma que hoje chamamos de estágios. Morihei Ueshiba se inscreveu num deles por um período de dez dias e depois renovou sua inscrição. Em seguida, ele treinou o mais freqüentemente possível com o mestre e o convidou à sua própria casa, onde se ocupou dele como um discípulo servindo a seu mestre.
Em dezembro de 1919, Ueshiba recebe um telegrama informando que seu pai estava gravemente doente. Doa sua casa a seu mestre e deixa Hokkaido em direção a Tanabe, sua aldeia natal, para encontrar seu pai. Morihei Ueshiba nunca mais voltaria a Shirataki. Durante sua viagem de retorno encontra um outro mestre, Onisaburo Deguchi (1871-1947).
Morihei Ueshiba não retornou diretamente a Tanabe. Decidiu fazer uma volta por Ayabe para encontrar Deguchi, que havia instalado aí o centro principal da religião Omote-kyo. Foi imediatemente seduzido por esse personagem marginal, de espírito aventureiro e de vida agitada. Morihei Ueshiba parte então para Tanabe e volta para instalar-se com sua família em Ayabe.

Ainda que Ueshiba tenha ficado muito feliz em aprender a técnica de Sokaku Takeda, a personalidade deste último não poderia satisfazer a sede de espiritualidade que existia nele, desde sua infância. Paralelamente, as exigências do mestre começaram a pesar.
Com a concordância de Deguchi, Ueshiba constrói um dojo e, com a idade de trinta e seis anos, começa a ensinar o budo aos membros da Omotokyo. No final de abril de 1922, Takeda Sokaku chega a Ayabe com sua família (Tokimune tinha então seis anos). Não se sabe se ele foi convidado ou não, mas passou a ensinar durante quatro meses o Daito ryu aikijujutsu.
Diz-se que o encontro entre os dois mentores de Ueshiba foi desastroso. Deguchi, ao ver Takeda, afirma: "Este homem exala sangue e violência" e aconselhou Morihei Ueshiba a separar-se dele.
Takeda Sokaku deixou Ayabe em setembro de 1922, após ter concedido a seu aluno um certificado de mestre de Daito ryu. A partir de então, os encontros entre ele e seu aluno se espaçariam. Takeda Sokaku continuaria sua vida errante, ministrando seus estágios, enquanto seu aluno, após instalar-se em Tokyo, ensinava jujutsu.
Ainda que as relações entre os dois mestres fossem se distanciando, Takeda Sokaku visitava de vez em quando seu aluno em Tokyo. Este último, como mestre em Daito ryu, concedia por seu lado diplomas dessa arte como o atestam os recebidos pelos mestres Mochizuki, Kenji Tomiki, Shirata e Shioda, por exemplo, em 1936.
Esse ano marcará a ruptura definitiva entre os dois homens. Quando Morihei Ueshiba ensinava em Osaka na sede do jornal Asahi, Takeda Sokaku chegou sem aviso e declarou que ele era o mestre mais qualificado para ensinar o Daito ryu, uma vez que era o mestre de Ueshiba. A partir de então Ueshiba mudará o nome de sua disciplina para Aiki-budo.
Takeda Sokaku ensinou ainda por três anos na sede do Asahi, antes de retornar a Hokkaido. Morre em 1943 em Amori.
As relações extremamente apaixonadas entre os dois mestres deixaram seus traços entre seus respectivos alunos. Elas explicam as reações apaixonadas que os animaram mas não impediram que, pela eternidade, o Daito ryu Aiki jujutsu tivesse influenciado fortemente o aikido, mais particularmente nos anos do pré-guerra. As fotos do mestre Ueshiba no Norma dojo testemunham isso.

fonte: http://www.aikikai.org.br/art_takedasokaku.html