segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
A primeira matéria sobre o Kungfu no Brasil (1969)
A reportagem que se segue foi a primeira a tratar sobre o Kung Fu no Brasil, e foi publicada em 20 de maio de 1969 no jornal Diário da Noite, e encontra-se transcrita na íntegra, com texto e fotos da época.
Na China milenar de muitos mistérios surgiu, há mais de três mil anos, uma forma de luta corpo-a-corpo imprescindível naqueles tempos, principalmente como defesa pessoal.
Do distante oriente, vencendo os mares, superando fronteiras, há cerca de oito anos o Kon-Fu foi apresentado em São Paulo pelo mestre Chan Kowk Wai.
Expande-se, agora, de maneira expressiva atraindo cada vez mais adeptos, assíduos frequentadores do Centro Social Chinês, à rua Conselheiro Furtado, 261, aos sábados e domingos.
Praticam , ali, o estilo "Tai Chi", que faz parte do Kon-Fu, também conhecido por Kung Fu. Na essência, é arte com base nos princípios da fisiologia, psicologia , dinâmica e filosofia budista para o equilíbrio da saúde física e mental, aperfeiçoada na dinastia Lung.
Na antiguidade a luta do homem pela sobrevivência exigia excepcional força física, agilidade, rapidez de raciocínio. Enfrentava adversários perigoso, observando a maneira como os animais atacavam e se defendiam, assim como a sinuosidade dos rios que correm para o mar e a maleabilidade dos cipós que se enroscam nas árvores, onde os macacos saltam de galho em galho, a natureza enfim, resolveu imitar esses movimentos, para melhor lutar contra os inimigos.
A princípio os movimentos eram bem simples, golpes isolados, sem muita precisão. Com o correr do tempo combinaram-se em séries. E, há dois mil anos, surgiram as sequencias, embora ainda sem muita perfeição, nem as variedades que hoje são conhecidas. Muitos dos que praticavam essa forma de luta eram quase invencíveis. Todos os temiam. Com seus golpes, muitas vezes matavam os adversários.
Nos mosteiros
Os praticantes desta luta começaram a ser perseguidos. Prendiam-nos quando conseguiam agarrá-los, martirizavam-nos e matavam-nos para execração dos demais. Viram-se, então, obrigados a ocultar-se. Nenhum lugar pareceu-lhes melhor do que mosteiros e templos budistas. Eram sagrados para o povo. Ninguém ousaria invadi-los conspurcando, assim, a sua pureza, tais o respeito e veneração dos seguidores da doutrina do Senhor Buda.
Tamo, monge budista, em 527 DC criou na China uma nova modalidade de luta, então com mil e quinhentos anos já, a que chamou de Chikun. Inclui a concentração mental, em que se baseia a filosofia budista. Combinou os movimentos, intercalando-os com respiração dirigida. Facultava, assim, maior resistência ao lutador pela melhor oxigenação dos pulmões. Era, por outro lado, executada com preceito de saúde orgânica e autodominio emocional, em perfeita combinação na mente, corpo e espírito. Vários mestres dessa luta, e, também, monges de outros mosteiros dirigiram-se ao templo de Shao Lin, tornando-se seus discípulos. Chamou-se, pois Shao Lin, o primeiro estilo, em séries combinadas, de que futuramente seria o Kon-Fu, que chegou aos nossos dias.
360 estilos diferentes
Tem 3 mil anos a luta de defesa pessoal chinesa, que a foto mostra em detalhe semelhante a golpe de judô nipônico
Tem 3 mil anos a luta de defesa pessoal chinesa,
que a foto mostra em detalhe semelhante a golpe
de judô nipônico`.
Foram, aos poucos, surgindo novas combinações, aperfeiçoando-se a luta de ataque e defesa pessoal na China. Existem agora, cerca de 360 estilos diferentes. "Muitos outros irão aparecendo - declarou o professor Chan Kowk Wai - pois é interminável o seu aprendizado, eis que novos golpes e combinações são constantemente introduzidos pelos mestres que, agora, se espalham pelos vários países do mundo".
Dentre os mais destacados professores desta arte-luta, em que o ritmo complementa a elasticidade, agilidade e força muscular, salientam-se os srs. Ko Wei, Fu-Chang (famoso matador de tigres), Gu Lei Chan, o mais conhecido de toda a China. Este último foi o mestre do professor Yim Shang Mo, não menos famoso, de quem o professor Chan Kowk Wai foi discípulo dos mais distintos.
Há 34 anos, nasceu em Cantão, na China, o professor Chan Kowk Wai. Por volta de 1950, por motivos políticos, fugiu para Hong Kong. Isso sucedeu quando as forças comunistas tomaram parte da China. Em sua pátria era estudante de grau superior, em administração de empresas, e, já, então, hábil lutador de Kon-Fu. Há cerca de 8 anos veio para o Brasil. Instalando-se em São Paulo, tornando-se introdutor do Kon-Fu em nossa terra. Sua primeira apresentação em público foi por ocasião da festa de aniversário da fundação da República da China (Taiwan), realizada nesta capital. Muitas pessoas, alguns praticantes de Caratê, solicitaram-no para professor. Diz ele que já teve, até o presente, mais de mil alunos, de todas as idades, inclusive algumas mulheres. Na China elas se rivalizam ao homem na prática desse esporte.
Há três principais estilos de Kon-Fu. O do norte da China, adotado pelo professor Wai; o do sul daquele país, ensinado em São Paulo há mais de 30 anos, embora com menor número de adeptos, pelo professor Lope Chiu, e um terceiro, o "Tai-Chi" que, sem qualquer perigo, pode ser praticado por crianças e até por pessoas idosas, de mais de 80 anos.
Os soldados do Exército Nacionalista chinês adotam-no no seu preparo em práticas esportivas. Acha-se, atualmente, muito difundido o Kon-Fu em países europeus, nos Estados Unidos mas, principalmente, no Japão, Coréia e nações do sudeste asiático.
O Kon-Fu em ação
O Prof. Chan defende-se, facilmente, a mão-livre, de ataque tripo, valendo-se do golpe Pao-tzi-chiau-chie (leopardo pulando o riacho)
O Prof. Chan defende-se, facilmente, a mão-livre, de ataque tripo, valendo-se do golpe "Pao-tzi-chiau-chie (leopardo pulando o riacho)". No Centro Social Chinês, de São Paulo há, inclusive, crianças praticando sob a supervisão dos professores Wai, Valdir D'Onófrio e Jimmy Lei, este recém-chegado de Formosa.
Foi difícil trocarmos algumas frases, das mais simples, com Hwang Chong Chum, interessante garotinho de 9 anos de idade, que veio com os pais no começo deste ano. Há outros meninos de 10 e 11 anos. A maioria dos aluos, porém, conta entre 15 e 20 anos. Vestem calças compridas e blusão de setineta preta. A gola é alta e aberta na frente. Enfeites de galões verde-escuro. O traje dos professores é idêntico, apenas os galões são brancos.
O início do treino é o aprendizado do "kati", a série de movimentos de ataque e defesa, sendo "Lim-pu-quim",o básico. É ensinado aos neófitos, independente de idade ou sexo, Tem a duração média de 1 a 3 minutos.
Vem, depois, o "Toi-sao", luta entre dois adversários desarmados. Numa fase mais adiantada praticam o "po-kê", uma espécie de luta livre, em que se permitem todos os golpes conhecidos.
São rítmicos os movimentos de braços e mãos, pernas e pés, de todo o corpo. Impõe-se a maior presteza e atenção, tanto nas sequências a mão livre, como nas em que se usam armas; espadas, bastões, lanças, correntes com pontas afiadas que, jogadas com extrema rapidez e habilidade, podem ferir gravemente o contendor e o próprio atirador.
Mas, ao início de cada série de golpes, os contendores devem concentrar-se, pondo inteira atenção na luta. Para isso há um momento especial, que se assemelha quase a uma oração.
Termina a luta
Um grupo de alunos ao nosso lado, ia explicando os aspectos da luta dos companheiros. Este golpe chama-se "Yêma-fan" e imita um cavalo selvagem que investe, de crina solta ao vento. Aquele, assemelha-se, no gesto das mãos recurvadas, "a cabeça de um inseto, o louva-a-deus". Chama-se, para nós, "Tonlon". "Tih-in-fahn-zun", representa a águia dourada com asas abertas, em vôo. Um dos jovens tomando comprida espada em forma de cutelo, ergeu-a em forma de oferenda. Explicam : "É o 'Ton-chi-chen-táu' é imita o gesto de uma criança apresentando pêssegos nas mãos". Outro golpe é o "Chin-lon-Chzu-tom", isto é, o dragão dourado saindo da toca. Para esse golpe, difícil e perigoso, usa-se, por vezes, a temível corrente de aço, ponteaguda.
Sucedem-se assim, em combinações interessantíssimas que poderia se dizer coreográficas, as curiosas fases da luta chinesa.
Acrescentam: "O professor é, para nós, como um pai a quem amamos e respeitamos. Mas também o tememos. Pois, ele ralha conosco e, algumas vezes - felizemente não muitas - até nos pune com golpes certeiros, quando erramos ou ficamos desatentos ao seu ensino".
Por fim, termina a sequencia. Os contendores assumem, novamente, atitude de concentração. Num gesto elegante, ao mesmo tempo de cortesia ao adversário, encerram a série de golpes do milenar Kon-Fu, agora praticado por muitos adeptos, em nossa terra.
fonte:sinobrasileira.org
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